BRASÍLIA, O PRESENTE NÃO PASSA.
Brasília está destinada ao porvir, se vocês estão abrindo esse arquivo, estamos no caminho. 360 graus de horizonte e possibilidades. Vocês são o meu futuro e essa mensagem um presente para vocês. Estou falando de 2020 e por uma questão que mais adiante explico, vou falar de Brasília, do meu ponto de vista, desde que nasci em 1960, era 16 de junho, na Cidade Livre que passou a se chamar Núcleo Bandeirante. O lugar exato não existe mais, quando veio o ordenamento os barracos foram demolidos para a construção da Terceira Avenida, então mudamos em 1961 pra TawáTingá.
Se o programa ainda roda, essas imagens que vocês estão vendo ao fundo são desses lugares que eu falei. Mas voltemos ainda mais no tempo… vamos sobrevoar… Antes da transferência da capital do Brasil do Rio de Janeiro pra cá, viviam nessas terras os Indígenas: Avacanoês, Tapúias, Xavantes. Tinha cemitério deles no encontro desses dois córregos, TawáTingá e Cortado. Aí foram encontrados ferramentas de trabalho, pontas de flechas, utensílios, urnas funerárias… Esse material ficou com a Universidade Federal de Goiás, espero que vocês possam comprovar. Eu gosto muito dessa parte da pré-história de Brasília, se vocês se interessam podem pesquisar o Paulo Bertran em seu livro “História da Terra e do Homem no Planalto Central” e o professor Luís Sérgio Duarte em “A Construção de Brasília – Uma Experiência Moderna na Periferia do Capitalismo”.
Não sei que mídia vão estar usando aí no futuro para acessar essa mensagem, mas espero que as mudanças tenham desacelerado e que possamos fazer essa ponte entre as tecnologias, mesmo passados 40 anos.
Brasília nasceu como uma cidade político-cultural, “bossa-nova”, na inauguração aconteceu uma apresentação teatral com direito até a helicóptero em cena. A “cidade–arte” foi uma experiência moderníssima para o “terceiro mundo”, era um símbolo do desenvolvimento pretendido pelo Brasil, uma promessa e uma esperança ao mesmo tempo. Desde o início temos vocação para o futuro, que sempre esteve presente entre nós, por isso estou falando com vocês a 40 anos de distância.
Em 1960 nasceram muitas pessoas, o povo estava animado com a construção da Capital da Esperança… Conheci uma menina que nasceu no dia 21 de abril de 1960, se chamava “Brasília”, o padrinho era Juscelino Kubitscheck, a madrinha Dona Sara. E eu lembro que ela, a “Brasília”, uma vez por ano, no aniversário dela e da cidade, se transformava em celebridade, aparecia na TV, rádio e jornais impressos, tinha até uma “caderneta de poupança da Colmeia”, um dinheirão que ela iria poder sacar quando completasse dezoito anos. Em nossa imaginação infantil, “Brasília”, nossa colega, no futuro seria muito rica, mas a Caderneta de Poupança Colmeia faliu e desapareceu levando o dinheiro dos poupadores em meio a um grande escândalo de corrupção financeira, que foi devidamente abafado pelo governo militar da época. “Brasília”, a nossa colega, ficou pobre de futuro e passou de queridinha da turma a ex-futura rica, sofrendo o que chamamos hoje de “bullying”. “Brasília”, eu soube muitos anos depois, ficou revoltada, mudou de cidade e morreu em Luziânia, sem poupança nem esperança. “Brasília” morreu de desgosto.
Quem nasce em Brasília não tem raízes, tem antenas, então vivíamos ligados com as novidades que chegavam pela TV, uma deusa do consumismo que chegou com o progresso. Crescemos nesse ambiente de terra batida, seis meses de poeira, seis meses de lama, apesar da pobreza as pessoas pareciam felizes, tudo era festa e trabalho.
Planejada por dois ateus, a cidade é mística: agnósticos, budistas, católicos, ciganos, evangélicos, hinduístas, kardecistas, muçulmanos, povo de santo, umbandistas e diversas outras ordens religiosas cercam Brasília de fé e profecias esperançosas.
Espero que vocês do futuro não tenham abandonado a fé, porque às vezes, quando as coisas estão bem difíceis como agora, é só nela que a gente se apega.
O sentimento do começo da cidade com que eu mais me identifico é o sentimento de aventura mística, construir uma cidade é uma tarefa mágica, um chamado inexplicável. O presidente Juscelino Kubitscheck era cigano, mas na época não se falava nisso, era tabu. Somos essa mistura de sotaques e culturas, uma dança de línguas e gente de todo canto: candangos, desbravadores, visionários, aventureiros, oportunistas, romeiros, políticos, burocratas, operários, imigrantes, messiânicos, missionários, vindos de todo canto, até extraterrestres vieram testemunhar a construção da nossa Hevilá. É possível? Espero que aí no futuro, vocês possam me dar resposta a essa e outras tantas perguntas que tenho.
Me explico: de 1960 para cá vivemos entre a realização do sonho e pesadelos reais. Golpes políticos, massacres de trabalhadores, exclusão social, apartheids, pandemias, pandemônios e tantos desatinos já conhecidos, eu não preciso falar disso aqui. Quero é contar minha história que aqui e agora parece absurda, mas eu sei que vocês compreenderão. Primeiro, espero que aí em 2060 vocês já estejam vivendo em paz com os extraterrestres, que eles tenham colaborado com o desenvolvimento científico e ajudado a pactuar a paz entre as nações. No momento que gravo essa mensagem, estou encerrando as pesquisas com o uso da gravidade reversa nos cones do elemento moscóvio 115. Como isso chegou às minhas mãos? Vou dizer quando estiver com vocês, a localização geo-espacial de Brasília e a minha história com a cidade são determinantes. Os pontos de referência estão marcados pelas obras arquitetônicas de escala monumental e alinhados no grande eixo Leste-Oeste. Comecem pelo Memorial Indígena pois no centro da arena, a dois metros de profundidade, está plantado o artefato capaz de nos reconectar, é tecnologia alienígena, mas espero que já não seja problema para vocês.
No momento estamos enfrentando um período bem difícil, há uma pandemia causada pelo Covid-19, uma crise política e moral na sociedade e uma crise econômica mundial. Não há ambiente para seguir com pesquisas científicas de nenhuma natureza.
Vou parar por aqui, espero que em 2060 o céu de Brasília ainda esteja azul como só ele consegue ser, espero que Brasília ainda esteja sendo inaugurada a cada dia e que toda noite seja uma estrela aberta, pairando no ar do planalto central. Brasília é para brilhar eternamente.
Não tenho certeza, pode ser que eu carregue comigo uma chave importante. Então, se são brasilienses como eu, abram o artefato e ressuscitem-me.
Chico Simões, neto 5/3/2021
Bertran, Paulo: História da Terra e do Homem no Planalto Central: Eco-história do Distrito Federal, 1a edição, Brasília, Solo Editora, 1994.
Duarte, Luís Sérgio: A Construção de Brasília – Uma Experiência Moderna na Periferia do Capitalismo, Universidade Federal de Goiás, 2007.
BRASÍLIA, O PRESENTE NÃO PASSA
mar 11, 2025 | 0 Comentários